Dina Soares, 45, vive atualmente em Guimarães, uma cidade portuguesa no Distrito de Braga. (Foto: acervo pessoal) |
Hoje com 45 anos de idade, Dina Soares divide o seu tempo entre trabalhar no salão, onde atua como cabeleireira e esteticista, cuidar do filho, conversar com vítimas de estupro e escrever a sua própria história, no livro que vai receber o título "Lágrimas no Silêncio".
Nesse livro, Dina fala sobre o que passou nas mãos do pai, dos 8 aos 14 anos de idade.
Mais de três décadas se passaram e ela, simplesmente, não consegue esquecer do que aconteceu durante a infância. "É uma ferida aberta".
E porque não consegue se esquecer, resolveu começar a escrever o próprio livro em fevereiro desse ano.
Em 6 de abril, Dina foi a público contar, pela primeira vez, em um programa de televisão em Portugal, o que havia lhe acontecido. Dina é portuguesa. Aquela seria a primeira vez em que, finalmente, ela iria contar a todos a sua história. Mas pediram à Dina que mantivesse sua identidade em anonimato, o que não a agradou muito. Ela quer que saibam quem ela é.
Ela quer berrar bem alto que é uma vítima de estupro porque passou a vida tentando fazer com que alguém lhe escutasse, mas isso nunca aconteceu.
Quando ainda estava na adolescência, Dina chegou a enviar cartas para uma emissora de televisão do Brasil. Ela estava desesperada e queria denunciar os abusos. Queria alguma ajuda internacional que não encontrava em seu país. Mas, isso não aconteceu. Ela nunca obteve respostas.
Em abril, foi à TV porque ela mesma enviou um e-mail para a emissora portuguesa e se dispôs a contar a sua história de abuso. Foi aí que Dina entendeu a importância de tornar a sua vida pública. Agora ela está em fase de enviar o seu livro para as editoras. Ela espera que "Lágrimas no Silêncio" seja publicado.
Mas, antes de escrever esse livro, muitas coisas aconteceram.
Três décadas de silêncio
Dina Soares tinha 8 anos de idade quando foi estuprada pela primeira vez pelo próprio pai, na sala de casa. O homem que ela mais amava e confiava, quem ela achava que estava ali para lhe proteger de tudo, trancou todas as portas e janelas de casa para obrigar a própria filha a colocar a boca em seu pênis. Ele abaixou as calças, mostrou o órgão ereto e agarrou Dina à força. Com a pequena menina em prantos e aos gritos, ele acabou com a infância da filha dessa forma, enquanto a mãe dela estava no trabalho.
A menina não entendia o que estava acontecendo, ela não tinha a menor ideia do que aquilo significava. Quando finalmente conseguiu se livrar das garras de seu abusador naquele dia, Dina saiu correndo, calada, pelas ruas sem rumo, porém não sem antes receber o aviso de seu pai, que disse à ela que a esperava para fazer a mesma coisa no dia seguinte.
Enquanto a garota corria, encontrou um campo no qual havia um riacho com água corrente. Então, ela enfiou a cabeça dentro da água na tentativa de esquecer de tudo. Mas, ela teria que voltar para a casa. E teria que lidar com uma ferida aberta pelo resto da vida,
Dina preocupou-se em contar para a mãe o que havia acontecido naquele dia enquanto ela trabalhava, mas a mulher não acreditou no relato da criança. Ao invés de tentar proteger a filha dos abusos, a mãe disse à criança que aquilo tudo era normal, que acontecia em outras famílias e que ela não tinha tempo para “chorumelas”.
Quando a menina chorava e pedia ajuda da mãe, a mulher avisava que era melhor ela parar de “frescura” ou ia bater muito nela, pois estava cansada depois de trabalhar o dia todo. A mãe de Dina permitia que o estupro continuasse a acontecer dentro de casa. E continuou.
Até completar 14 anos de idade, a menina foi estuprada constantemente pelo pai. Ele chegava em casa e, assim que abria a porta, já ia tirando as calças para violentar a criança. Ele estuprava a menina com a esposa em casa, na hora do banho e em diversos outros momentos.
O pai de Dina era um homem sujo e a lembrança do odor daquela casa permanece viva na memória da mulher que hoje tem 45 anos.
Ele pedia à ela que se lavasse na mesma água que ele tomava banho e dizia à Dina que isso seria uma honra para ela, já que assim ela poderia “aproveitar a energia dele que entrava no corpo dela”. Quando Dina entrava na banheira, havia uma espuma cinzenta, com restos de sabonete. Na maioria das vezes, ele entrava na banheira junto com a filha e obrigava a menina segurar uma bacia, na qual ele urinava. É o cheiro dessa espuma fétida que causa náuseas e embarga a voz de Dina até hoje.
Violentada pelo pai e sem o auxílio da mãe, com 16 anos de idade Dina saiu de casa para se casar o pai de seu primeiro filho. Para ela, essa era a chance de livrar, finalmente, da tortura vivida na casa da família. Mas as lembranças, essas sempre vão acompanhá-la. Mais de 30 anos depois dos episódios de estupro, as memórias estão mais vivas do que nunca em Dina, que apresenta uma série de sequelas causadas pelo trauma na infância.
Desde que resolveu falar sobre o assunto, depois de décadas de silêncio, ela tem pesadelos com o pai. Nesses anos todos, já pensou em suicídio várias vezes, pensa até hoje e desenvolveu uma série de transtornos obsessivos compulsivos (TOC) porque se sente suja. Dina toma banhos longos diversas vezes por dia e sente a necessidade de lavar as mãos de cinco em cinco minutos. Ela não consegue ver uma cena de violência, mesmo que sejam cenas de ficção, sem ter uma crise nervosa.
E é por ter que carregar esse peso que Dina não se cala. Não mais.
E é por ter que carregar esse peso que Dina não se cala. Não mais.